Caminhos Errantes

quarta-feira, julho 23, 2003

A Henrique Barrilaro Ruas (1921-2003)

Talvez não haja acto com menos sentido, nas suas intenções, do que um elogio fúnebre. Trata-se, no fundo, de dizer a alguém, já morto para este mundo, a falta que nos faz e as graças que a sua existência nos trouxe. E tudo isso com o sentimento incómodo de que o deveríamos ter feito em vida, quando ainda nos podia escutar e se encontrava entre nós. Temos a íntima certeza de que ele conhece o significado e a importância que para nós teve a sua vida. Mas lamentamos não termos dito com uma clareza suficiente, de viva voz, tudo aquilo que agora, sob a mediação da morte, somos finalmente capazes de explicitar.
Conheci Henrique Barrilaro Ruas quando tinha quinze anos, em 1987. Por essa altura, eu tinha já pensado em filiar-me na Juventude Monárquica, animado pelo entusiasmo juvenil que então rodeava o Partido Popular Monárquico, que quase elegera Miguel Esteves Cardoso para o Parlamento Europeu e que, na cidade de Lisboa, sob a direcção de Gonçalo Ribeiro Telles, sustentava o único movimento cívico que verdadeiramente se preocupava com a cidade: o Movimento Alfacinha. Tanto nos tempos do PPM, como nas tertúlias, debates e convívios que acompanharam e se seguiram a esses tempos, a figura de Henrique Barrilaro Ruas foi, para mim, um decisivo exemplo de formação filosófica, política e humana. Lembrar-me-ei sempre não apenas da sua figura, mas também especialmente da sua voz, quando, ao falar, a inteligência na análise e a clareza na exposição eram acompanhadas por uma voz profunda, inconfundível, cujo tom, já um pouco trémulo, emprestava ao discurso o carácter das palavras decisivas. Diante de um Portugal apequenado e politicamente indigente, numa vida cívica quase sempre rasteira e medíocre, a sua voz era, para mim, a evocação imediata das “realidades permanentes” a que tantas vezes gostava de aludir.