Para a Clara: sobre as mudanças
A minha querida amiga Clara Macedo Cabral escreveu aquela que é, no fundo, uma grande verdade. Não são pessimismos antropológicos, críticas ao utopismo ou meditações históricas desencantadas, enquadrados numa teoria política elaborada, aquilo que caracteriza (não apenas em política, mas na vida em geral) os conservadores. O que os determina é não uma teoria, mas um sentimento: a aversão à mudança. O conservadorismo é assim não uma teoria, mas uma patologia política. Todos os seus recursos argumentativos, todas as suas análises históricas, todas as suas considerações sobre o homem são puramente emotivistas. Não há ideias no conservadorismo, mas apenas pseudo-ideias que evocam conceitos equívocos como a experiência, a sensatez, a razoabilidade das lições da história e do passado: estas não são senão o suporte e a confirmação de um sentimento íntimo que não podem partilhar. O conservador estuda e lê não para procurar o que não sabe, mas para se reconfortar no reconhecimento do sentimento que já possui. Daí que todo o conservadorismo seja, por natureza, liberal. O liberalismo é justamente um ocasionalismo político. A sua essência consiste na recusa de que a política, furtando-se ao autismo dos sentimentos, se possa basear na possibilidade de uma discussão e de uma polémica efectivas, assim como da persuasão que se lhe segue, num exercício de inteligência de que brota a autoridade. Na instituição política liberal por excelência - o parlamento - não há lugar para pensar ou discutir. Não havendo persuasão, trata-se aqui não de discutir, mas de imitar uma discussão, numa simultaneidade cacofónica de monólogos previsíveis. O conservador pertence, nas suas alusões ingénuas ao dinamismo, à liberdade e à vitalidade da sociedade civil, ao coro cacofónico que alimenta a pseudo-discussão desta "classe discutidora", como lhe chamou Donoso Cortés. Além disso, em Portugal, o conservadorismo liberal tornou-se numa moda desinteressante. Por cá, ele é apenas uma imitação directa dos piores hábitos ingleses, dirigidos contra uma tradição continental europeia, em que o humor e o sarcasmo são usados frequentemente para camuflar a superficialidade e a ignorância. Como é possível que haja tantos conservadores num país onde já quase nada há para conservar?
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