Mal e história
Terminou hoje, em Coimbra, o colóquio internacional A Soberania, dedicado ao pensamento de Jacques Derrida e contando com a honrosa presença deste pensador. Da conferência (aliás significativa) proferida pelo próprio Derrida, dizia-me um amigo, um jornal encontrava matéria, numa pequena notícia, apenas para duas lacónicas notas e referências: dizia que o pensador criticara a política externa norte-americana e atribuía-lhe correctamente a afirmação de que «existe a história porque existe o mal». Não li a notícia. Mas, a ser verdade, eis talvez uma frase (talvez a frase) que não poderia ser citada sozinha, carente de contexto, sem violência. Há nela uma leitura teológica: o pecado começando a história. Há nela uma leitura metafísica: a falta iniciando o movimento no tempo, a passagem perfectiva da potência da dynamis à efectivação da energeia. Há também nela uma leitura ética: a carência despoletando a transformação do homem, o lento enraizamento na sua essência das virtudes que, não estando nele originariamente, nele se convertem numa segunda natureza. Mas, além de todas estas leituras, uma tal frase integra em si a sua inversão, aquilo a que, falando “heideggerianamente”, se poderia chamar a sua Kehre. Se há história porque existe o mal, também o inverso é verdadeiro: há mal porque existe a história. Ou seja: enquanto houver história haverá mal. Por isso, todas as tentativas de erradicar o mal do mundo conduziram inevitavelmente à intensificação, à radicalização no mundo do próprio mal. Todas as tentativas de fazer emergir um mundo definitiva e totalmente pacificado, sem conflitos, geraram (como hoje se torna patente) a identificação ou, melhor dizendo, a indistinção entre guerra e guerra total.
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