Caminhos Errantes

domingo, outubro 05, 2003

Para defesa da república

Sou um monárquico que vive com tranquilidade numa república. As razões para ser monárquico são variadas, mas podem ainda assim resumir-se numa única, aparentemente paradoxal: a maior perfeição da república quando comparada com a monarquia. Se a monarquia entrega a chefia do Estado a um homem que a exerce independentemente do seu mérito e apenas por ser filho de determinados senhores, a república surge diante desse privilégio escandaloso como um progresso incontestável: ela pretende dar a chefia do Estado a alguém designado não por privilégios arbitrários, não pela cegueira da natureza, mas a partir de uma eleição livre, da escolha criteriosa de um cidadão em função do mérito reconhecido pelos seus pares. Pois bem: eu sou monárquico simplesmente porque desconfio de que o mérito tenha – ou possa vir a ter – papel relevante no sistema que permite a escolha. Ou seja, porque me parece que os mecanismos que permitem tornar elegíveis os potenciais candidatos – a sua apresentação às mãos dos partidos políticos, da propaganda eleitoral e da imprensa do costume – se regem por critérios a que o mérito efectivo é inteiramente alheio. E se a república falha no seu propósito de premiar o mérito, só resta, porventura por falta de imaginação, a monarquia. Não é exigir muito. Mas é uma questão de gosto e de segurança. Por paradoxal que pareça, a “república” deve estar protegida do método republicano para a escolha do chefe do Estado: qualquer cidadão nacional (seja-me perdoado o argumentum ad hominem) tem o direito de não correr gratuitamente o risco de ter como chefe do Estado alguém que possa alegremente convidar para jantar Machado de Assis, recebendo-o ao som dos concertos para violino de Chopin.