Para defesa da república
Sou um monárquico que vive com tranquilidade numa república. As razões para ser monárquico são variadas, mas podem ainda assim resumir-se numa única, aparentemente paradoxal: a maior perfeição da república quando comparada com a monarquia. Se a monarquia entrega a chefia do Estado a um homem que a exerce independentemente do seu mérito e apenas por ser filho de determinados senhores, a república surge diante desse privilégio escandaloso como um progresso incontestável: ela pretende dar a chefia do Estado a alguém designado não por privilégios arbitrários, não pela cegueira da natureza, mas a partir de uma eleição livre, da escolha criteriosa de um cidadão em função do mérito reconhecido pelos seus pares. Pois bem: eu sou monárquico simplesmente porque desconfio de que o mérito tenha – ou possa vir a ter – papel relevante no sistema que permite a escolha. Ou seja, porque me parece que os mecanismos que permitem tornar elegíveis os potenciais candidatos – a sua apresentação às mãos dos partidos políticos, da propaganda eleitoral e da imprensa do costume – se regem por critérios a que o mérito efectivo é inteiramente alheio. E se a república falha no seu propósito de premiar o mérito, só resta, porventura por falta de imaginação, a monarquia. Não é exigir muito. Mas é uma questão de gosto e de segurança. Por paradoxal que pareça, a “república” deve estar protegida do método republicano para a escolha do chefe do Estado: qualquer cidadão nacional (seja-me perdoado o argumentum ad hominem) tem o direito de não correr gratuitamente o risco de ter como chefe do Estado alguém que possa alegremente convidar para jantar Machado de Assis, recebendo-o ao som dos concertos para violino de Chopin.
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