Caminhos Errantes

quarta-feira, novembro 23, 2005

Der Untergang

Ontem, noite de trabalho destruída pelo facto de ter passado Der Untergang na televisão. Um grande filme, com uma interpretação excelente de Bruno Ganz, em que os últimos dias do III Reich são descritos com uma tentativa da máxima objectividade. Num mundo que se desfaz em ruínas, o real e o irreal vêem diluídas as ténues fronteiras que a cada passo adiam o seu abraço final, e qualquer fantasia é um adereço romântico dispensável. A maior virtude de um filme sobre este tema - e sobretudo de um filme alemão - é aliás a sua não determinação por uma moralidade abstracta, disposta imediatamente a distinguir facilmente entre um bem e um mal hipostasiados. Lembro-me de ter lido, num jornal alemão, antes de o filme estrear, um artigo de opinião que defendia ser perigoso mostrar “o lado humano” de Hitler: mostrá-lo cortês, ao mesmo tempo que irado; mostrá-lo fazendo festas ao seu cão ou dando um beijo na mulher com quem se casou, horas antes de se suicidar; mostrá-lo como um vegetariano preocupado pelo sofrimento animal, ao mesmo tempo que manifestava o darwinismo e o biologismo social que justificou o seu racismo e anti-semitismo. E lembro-me de ter pensado o quanto essa opinião punha a claro, numa ingenuidade quase comovente pela sua sinceridade pueril, o sentido profundo do nosso mundo - um mundo marcado, na sua mais íntima essência, pelo triunfo do maniqueísmo sobre uma concepção grave e cristã do mistério do mal.

2 Comments:

  • O post é reflexivo. Mas a origem do comentário determina-o de tal modo, que até eu fiquei com dúvidas relativamente à sua natureza.

    By Blogger Pedro, at 2:43 da tarde  

  • Concordo com o Pedro. Não sendo devidamente clarificada, a partidarização da reflexão pode ser uma coisa bastante perigosa.

    By Blogger nrc, at 6:13 da tarde  

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