O problema de Portugal
Acho que foi Almada Negreiros quem um dia escreveu (perdoem-me a falta das referências, mas cito de memória): “Um povo para ser perfeito tem de ter todos os defeitos e todas as qualidades. Coragem portugueses: só vos faltam as qualidades!”. E há dias em que, por causa de pormenores que não interessa ter o mau gosto de partilhar, tomamos uma consciência radical e aguçada da verdade dessa afirmação. Os portugueses têm frequentemente a particular capacidade de me irritarem. Amo absolutamente Portugal, mas Portugal quase como obra-de-arte, como ideia: a sua história, a sua terra, o seu mar, a sua luz mais que olímpica ou itálica. Mas, por vezes, Deus me perdoe, sonho com um Portugal vazio de portugueses. Suporto muito mal aquela qualidade de espertinhos e desenrascados, sempre prontos à pior solução, desde que seja rápida e ninguém saiba. Ou aquele feitio naturalmente curioso, sempre disposto ao pequenino comentário, à pequenina ajuda, à pequenina preocupação pela “vidinha” dos outros. Ou aquelas estatísticas que nos põem à frente no consumo de televisão e de telemóveis, e atrás no consumo de tudo o que interessa. E faz muito mal, esse sentimento. Vem-nos logo a memória de acontecimentos passados, até de pequenos pormenores, dispersos a esmo no tempo, capazes de confirmar vivamente a nossa irritação. Por exemplo, a imagem inolvidável, há poucos anos, em Barrancos, de alguns grunhos em tronco nu aos urros, banhados em sangue, saltando em cima de um touro acabado de matar. Ou a de Maria José Nogueira Pinto, também há uns anos, forçada a dançar o "bicho" numa campanha eleitoral do PP. E tudo isto nos confirma o sentimento do comentário atribuído a D. Carlos, no regresso de Paris: lá voltamos nós para a piolheira! E tudo isto nos impõe uma impressão que não gostamos de ter: a impressão de que o grande problema de Portugal é ter portugueses lá dentro.
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