Dies irae
Vi, há dois dias, um filme impressionante: Dogville, de Lars von Trier. Não tinha ouvido muito sobre o filme, apenas que era uma conjunção bem conseguida entre teatro e cinema e que apresentava uma perspectiva deprimente sobre a natureza do homem. Nada de novo. Fui ver com curiosidade, mas sem grandes expectativas. Apesar de tudo, Lars von Trier tinha feito filmes bons, como “Europa” e “Dancing in the dark”. Não estava, portanto, à espera da experiência que foi ver Dogville. O filme apresenta-nos uma mulher na figura de um Cristo que veio habitar entre os homens, nas suas pequenas aldeias, nos seus pequenos medos, nas suas pequenas e pacíficas vidinhas. Apresenta-nos o modo como esse Cristo traz a esses homens uma vida nova; o modo como esses homens o recebem e lentamente, sem serem especialmente maus ou perversos, naquilo a que se poderia chamar uma banalização do mal, o traem, o usam, o abusam no quotidiano da sua vida normal. E apresenta-nos, finalmente, o desfecho dessa história normal: o advento do pai vingador, dando à filha todo o seu poder; e a filha que, com dor e lágrimas, assume a responsabilidade que ao poder é intrínseca. Há muito que a nossa vida habitual assenta na sensação de que esse dia nunca virá. Diante de Dogville, não pode deixar de despertar, ainda que mudamente, ainda que silenciosamente, a pergunta: e se viesse?
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