Massa, população e multidão
Houve um tempo em que o povo foi substância dotada, a seu modo, de inteligência, de vontade, de uma "opinião pública". O mesmo é dizer: houve um tempo em que houve povo. Algures entre a era revolucionária do século XVIII e a Primeira Grande Guerra, o povo foi uma massa, determinada quantitativamente como uma grandeza política decisiva. Como disse Ernst Jünger em Der Arbeiter, a grandeza da massa, a sua capacidade de decidir o que quer que fosse, sucumbiu sob as metralhadoras da Primeira Guerra. Sob as "tempestades de aço", a massa metamorfoseou-se. Da sua metamorfose, emergiu a análise da sua "rebelião", por Ortega, ou a da sua transformação na inautenticidade urbana da "publicidade" do se (Man) heideggeriano. Quando se procurou mobilizar a massa, a partir da Segunda Guerra, esta tinha-se transformado em população, biopoliticamente determinada. Era agora não uma grandeza decisiva, mas um corpo a ser biologicamente cuidado e cultivado, um organismo a ser medicamente imunizado e assistido, uma vida a ser meramente administrada. É a partir da população que surge hoje a imagem da multidão: uma multidão feita de energias individuais, de criatividades e de diferenças. Mas não será esta multidão, esta metamorfose da população, um espectro que anuncia o fim da sua própria possibilidade?
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