Caminhos Errantes

segunda-feira, setembro 18, 2006

Intermezzo


Foi Heidegger quem disse, a propósito da sua abertura ao "outro início" da história, a um anderer Anfang irredutível a qualquer Bisherige, que viemos tarde de mais para os deuses, mas cedo demais para o ser. Abre-se assim um intermezzo, um período de tempo sem lugar e, portanto, neste sentido específico, u-tópico. Também politicamente o nosso tempo é o de um intermezzo, marcado por dois processos convergentes. Por um lado, o político, arrancado ao seu monopólio estatal, autonomiza-se, abrindo assim caminho à possibilidade da sua vigência cada vez mais pura. Por outro lado, a vigência cada vez mais pura do político, a sua efectivação como vigência de um "puro poder", exige, como condição da sua eficácia, a sua invisibilidade, a qual se torna manifesta na sua presença como "despolitização", num mundo liberal que se interpreta como ultrapassagem progressiva e definitiva da violência. Num tal tempo de intermezzo, vivemos também na u-topia de um período de tempo carente de espaço, que se empurra sempre quer para aquém, quer para além de si. Viemos - dir-se-ia - tarde demais para o Estado, mas cedo demais para a ordem.