Pluralismo
Segundo Hannah Arendt, mais do que a presença e a dimensão reduzida que esta presença requeria, a vida política clássica assentava na pluralidade determinante do mundo político. Uma tal pluralidade, porém, não o determinava como o local da desigualdade. Esta desigualdade, pelo contrário, teria lugar no mundo familiar infra-político, no mundo da casa (oikos), regido pela oikonomia, no qual o senhor, o despotês, guiava a unidade constituída pela sua mulher, os seus filhos e os seus escravos. No mundo público da pólis, pelo contrário, o despotês tornava-se politês, um cidadão igual aos demais cidadãos, habilitado, em virtude dessa igualdade, a discutir, persuadir, deliberar e agir num universo plural de opiniões e argumentos. Dir-se-ia então que, neste mundo público assim constituído, era a própria pluralidade que sustentava a igualdade política dos cidadãos. Parece que hoje, nas nossas democracias liberais mediáticas, esta relação entre unidade e pluralidade aparece precisa e rigorosamente invertida. Em lugar da unidade política que o mundo público antigo deveria ostentar, tudo hoje deve parecer diverso, aberto e plural. Contudo, do mesmo modo que, outrora, era uma essencial pluralidade que estava na base da unidade política do mundo público, a aparente pluralidade do nosso mundo público, evocada tão abundantemente pelo poder mediático de partidos, jornais, televisões e agências de comunicação, não pode deixar de ter na sua base, no seu fundamento mesmo, uma crescente uniformização. E esta relação é, aliás, de uma proporcionalidade directa: o poder mediático apresenta-se e aparece tanto mais plural e irreverente quanto mais uniforme e domesticado é. Aquilo que hoje é publicitado como diferente não é senão, afinal, uma espécie de repetição do mesmo, indefinidamente glosada.