Caminhos Errantes

terça-feira, julho 29, 2003

Sobre o conservadorismo

A Clara Macedo Cabral, a quem agradeço as boas-vindas à “blogosfera”, admirando-se com a minha concordância em relação à sua opinião sobre o conservadorismo (a de que este se baseia simplesmente num sentimento de aversão à mudança), interroga-me sobre como é possível ser monárquico sem ser conservador. Embora não tenha hoje tempo, nem nos próximos dias, para escrever mais longamente sobre o assunto, não quereria deixar passar mais tempo sem lhe responder.
O ponto central do que eu disse a propósito do conservadorismo é o seguinte: o conservadorismo só aparentemente é uma posição política. E por que razão? Porque, no conservadorismo, não há propriamente uma posição. Para a ter, ser-lhe-ia necessário ter um topos, um sítio, uma radicação num lugar, o que é justamente aquilo que lhe falta (e uma posição monárquica providencia). Daí que, no conservadorismo, não haja propriamente ideias em discussão e que os argumentos conservadores sejam, em geral, irrefutáveis na exacta medida em que são indefensáveis. Eles partem não de ideias, mas apenas de um sentimento que, enquanto tal, não passa das fronteiras da intimidade (e daí o “liberalismo” inerente ao sentimento conservador).
O conservador define-se assim mais através de uma “estética” que de uma “política”. Ele identifica-se por um conjunto de critérios que não derivam senão de impressões e que têm, portanto, a tendência para constituir uma moda: os conservadores são paradoxalmente todos iguais nos seus elogios à diferença e na sua ânsia de cultivar a individualidade; o que os caracteriza é o sacrifício da “ideia” ao “estilo”, assim como uma certa inconsistência que esse sacrifício arrasta consigo. Dessa inconsistência resulta, aliás, como um paradoxo, a mudança de que o conservador não gosta: daí que os políticos conservadores do romantismo, como, por exemplo, Adam Müller, se tenham caracterizado justamente pela constante mudança no domínio político e mesmo religioso.
Lembro-me de que, há tempos, a propósito da invasão do Iraque, escrevi um texto para a Coluna Infame, a que Pedro Lomba teve a amabilidade de me responder, dando-lhe o título Entre Conservadores (22 de Abril de 2003). Na sua resposta, ele terminava da seguinte forma: «Burke é um dos nossos autores; apreciamos a prosa de De Maistre e Bonald mas deixamos os seus livros na prateleira». Esta frase ilustra de forma patente a diferença que pretendo estabelecer. No contexto da revolução francesa, partindo todos eles de uma posição hostil ao ímpeto revolucionário, estes três autores diferenciam-se radicalmente uns dos outros. De Maistre pensa a revolução a partir de uma posição teológica, vendo na revolução não apenas um castigo divino, mas um processo técnico regido por uma legalidade mecânica imanente, onde um homem prometaico acaba por ser devorado pelo próprio monstro que criou (estou convencido, aliás, de que a consideração da revolução por De Maistre é um dos locais onde se abre a possibilidade de pensar a relação entre o homem e a técnica no pensamento contemporâneo). Bonald pensa a revolução a partir de uma posição filosófica, tentando justifica-la a partir de um processo degenerativo de sociedades constituídas. Burke sente a revolução como um britânico (o que é algo meramente ocasional) e escreve apenas um belíssimo livro sobre ela.