Caminhos Errantes

quinta-feira, agosto 21, 2003

O movimento e o motor

Notável o texto motor, do Reflexos de Azul Eléctrico, assim como quase tudo o que se encontra nesse blog, cuja leitura desperta a sensação de que o descobrimos demasiado tarde. Platão, no Político, alude ao mito da idade de Cronos: nesta idade, diferente da nossa era de Zeus, o movimento ocorria no sentido contrário ao que agora ocorre, forçado artificialmente pela tutela de deuses que, depois de um momento de inflexão (de Kehre), se retiraram do convívio com os homens e entregaram o cosmos à liberdade desenfreada do seu movimento imanente. Talvez o mito platónico seja aplicável à nossa “situação metabólica”. Primeiro: uma história marcada, em geral, pela ideia tradicional do motor imóvel aristotélico: a ideia de que o movimento implica sempre o seu esclarecimento através de um percurso perfectivo, estimulado por algo perfeito que, como tal, sendo pura energeia, está em repouso ao mesmo tempo que é a fonte transcendente do movimento e da sua ordem. Depois: uma história entregue ao seu movimento imanente, a um movimento que já não é teleologicamente orientado, dirigido para um fim que o transcende; uma história cujo movimento se dirige apenas para o próprio movimento, num processo em que a aceleração sempre crescente, mas que nunca é absoluta (o que coincidiria com o repouso), se traduz numa mobilização que tende a indistinguir o humano, o animal e o mecânico.