Caminhos Errantes

sexta-feira, agosto 01, 2003

Uma resposta (demasiado breve) ao Bruno Alves

No blog Desesperada Esperança, Bruno Alves contesta as afirmações que fiz, em textos anteriores, a propósito da natureza do conservadorismo. Antes de mais, para além de lhe agradecer publicamente a atenção com que me leu, gostava de reconhecer que, na perspectiva que adopta, o Bruno tem inteira razão. É, de facto, possí­vel falar do conservadorismo como um género de que vários movimentos políticos, identificados vagamente com uma "direita, se constituiriam como diferenças especí­ficas. O Bruno cita um livro onde se referem três tipos de conservadorismo distintos. Mas, nessa perspectiva, poder-se-iam ainda identificar mais, que aí­, e não por acaso, são ignorados: o "conservadorismo" da revolução-conservadora, na República de Weimar; o "conservadorismo" dos sectores católicos no movimento fascista; o "conservadorismo" do puritanismo americano; o "conservadorismo" manifesto de alguns membros da Action Française ou do Estado Novo, por exemplo, o qual coexistia alegremente com o modernismo e outras correntes. Bem sei que o Bruno me dirá que, nos meus exemplos, não evoco um genuíno conservadorismo (na medida em que não é politicamente céptico, pessimista em relação à  natureza humana, hostil em relação às revoluções, atento às realidades concretas e à  necessidade de encontrar nelas um equilí­brio sempre difícil). Contudo, se adoptarmos a perspectiva de que o conservadorismo é um género político, não vejo como não se tenha de subsumir no seu seio todas estas espécies. Contudo, se o fizermos, o conservadorismo deixa de ser uma determinação conceptual para passar a ser um mero nome, agregando fenómenos que são, na sua essência, inteiramente distintos. Querer catalogar como genericamente conservadores fenómenos tão diferentes será tão absurdo como dizer que Augusto, Bismarck ou Salazar representam formas especí­ficas de uma visão imperialista do mundo.
O que propus com os textos que escrevi anteriormente, fugindo dessa perspectiva catalogadora, foi tentar aproximar-me da essência do conservadorismo, sugerindo que este não é propriamente uma posição polí­tica; melhor dizendo: que este não é capaz de forma polí­tica. Tomo um exemplo, para explicar mais convenientemente o que quero dizer: a questão do "pessimismo antropológico" do conservadorismo; a sua desconfiança em relação à  "bondade natural do homem", sugerida pelas utopias, pela democracia radical de Rousseau, pela dialéctica de Marx, pelo anarquismo de Bakunine, pelo "princípio esperança" de Bloch, etc., etc.. Apesar do que se afirma comummente, o conservadorismo não toma nenhuma posição polí­tica em relação a esta questão; ele pura e simplesmente - e esse é o ponto importante - não decide. Ao mesmo tempo que descofia do optimismo antropológico das "utopias", ele parte deste mesmo optimismo, vendo o homem como um ente essencialmente perfectível (cf. Rousseau), capaz de se conservar ao sentir o apelo da razoabilidade. Ao mesmo tempo que condena os "projectos políticos racionalistas", ele confia na "racionalidade" de uma "razão parlamentar", forjando a ideia (porventura, esta sim, utópica) de que o parlamento é uma sede onde se pode persuadir ou ser persuadido. Ao mesmo tempo que condena como "utópica" uma razão que se coloca contra a história (tendo assim uma visão limitada da própria razão moderna), ele herda a ideia moderna de uma razão livre na sua intimidade, cuja interioridade inviolável surge contraposta a uma natureza exterior regida pela necessidade de uma "legalidade natural". Entre as ideias do pessimismo ou optimismo, o conservadorismo é essencialmente uma não-decisão. Ele apenas procura um equilíbrio, mas um equilíbrio a que o move não uma ideia fundadora ou fundamental (que não existe), mas a sensação que o caracteriza: a sensação de que é desagradável mudar.