Angústias ao jantar
Recebi o presente mail de um amigo, que prefere atribuir-se a si mesmo este nickname subversivo: Giraldo, o wahabita lusitano. Vale a pena:
Diversos generais reformados do ilustre Exército Português juntaram-se para
dizer mal do Dr. Paulo Portas, o ainda Ministro de Estado e da Defesa
Nacional.
A novidade do caso não reside na ocasião nem na contestação - ambas de
índole corporativa -, mas no modo escolhido para obter o efeito mediático
desejado.
Em primeiro lugar, é sabido que o «jantar» foi, nos primórdios da
nacionalidade e devido à carência do sonante e vil metal, a forma a que os
reis itinerantes da originária Dinastia de Borgonha lançaram mão para cobrar
(e consumir) impostos em espécie das populações dispersas pelo território
nacional...
E é também sabido da nossa História -sobretudo a dos dois últimos séculos -
que a contestação pública dos generais ao regime político (e aos políticos)
do momento cheirava quase sempre à iminente golpada ou quartelada da praxe.
Contudo, a manifesta falta de armamento e de equipamento (a contrastar com o
lustre das fardas e das condecorações), bem como a crónica carência de
dinheiro para sustentar a ficção onerosa de uma «Defesa Nacional», impedem
quaisquer veleidades golpistas, limitando os seus aspirantes à refeição
colectiva como manifestação possível e socialmente admissível do respectivo
desagrado: ou seja, o jantar dos generais mais não é que uma espécie
contemporânea (e variação elegante) do género «levantamento de rancho»,
desde sempre tão praticado por sargentos e praças...
Em segundo lugar, o poder militar (que não existe, ou só existe para efeitos
meramente estatutários) está «subordinado» ao poder político; este eufemismo
retórico vertido na Constituição da República Portuguesa significa que os
militares não têm nenhum poder para além dos símbolos que ostentam e das
memórias que cultivam, as quais resultam da tradição e da História recentes.
É lícito afirmar que só há poder - e por extensão, poder militar - na medida
em que se conjugue a vontade de supremacia com os meios adequados à sua
realização, o que patentemente não se verifica neste País.
Em terceiro lugar, os contestantes (que pretendem representar uma classe,
uma ordem, um estamento) inclinam-se à partida diante das instituições e dos
protagonistas - reconhecidos refractários ao serviço militar obrigatório -
que consubstanciam o actual regime; mais não lhes resta senão aceitar as
migalhas que caiem da mesa dos benefícios e privilégios correntes, pois há
já muito que se privaram voluntariamente das alavancas de poder.
Em quarto lugar, bem sabem os generais que não podem radicalizar o seu
protesto, alargando o seu âmbito à natureza e ao funcionamento do actual
sistema de organização social; uma tal crítica alargada constituiria a mais
poderosa refutação da magna obra das suas vidas: a instituição da democracia
rotativista pós-25 de Abril.
Por isso, circunscrevem os seus agravos a um único causador, epítome
demagógica dos males da nossa época anti-heróica: o multifacético e
multifacécico Paulo Portas, solteirão «upper-crust» filho de distintas
famílias de Lisboa e arredores.
É preferível descarregar a nossa má-consciência num bode expiatório, em vez
de atacar as verdadeiras causas da decadência nacional.
Giraldo, o wahabita lusitano
Diversos generais reformados do ilustre Exército Português juntaram-se para
dizer mal do Dr. Paulo Portas, o ainda Ministro de Estado e da Defesa
Nacional.
A novidade do caso não reside na ocasião nem na contestação - ambas de
índole corporativa -, mas no modo escolhido para obter o efeito mediático
desejado.
Em primeiro lugar, é sabido que o «jantar» foi, nos primórdios da
nacionalidade e devido à carência do sonante e vil metal, a forma a que os
reis itinerantes da originária Dinastia de Borgonha lançaram mão para cobrar
(e consumir) impostos em espécie das populações dispersas pelo território
nacional...
E é também sabido da nossa História -sobretudo a dos dois últimos séculos -
que a contestação pública dos generais ao regime político (e aos políticos)
do momento cheirava quase sempre à iminente golpada ou quartelada da praxe.
Contudo, a manifesta falta de armamento e de equipamento (a contrastar com o
lustre das fardas e das condecorações), bem como a crónica carência de
dinheiro para sustentar a ficção onerosa de uma «Defesa Nacional», impedem
quaisquer veleidades golpistas, limitando os seus aspirantes à refeição
colectiva como manifestação possível e socialmente admissível do respectivo
desagrado: ou seja, o jantar dos generais mais não é que uma espécie
contemporânea (e variação elegante) do género «levantamento de rancho»,
desde sempre tão praticado por sargentos e praças...
Em segundo lugar, o poder militar (que não existe, ou só existe para efeitos
meramente estatutários) está «subordinado» ao poder político; este eufemismo
retórico vertido na Constituição da República Portuguesa significa que os
militares não têm nenhum poder para além dos símbolos que ostentam e das
memórias que cultivam, as quais resultam da tradição e da História recentes.
É lícito afirmar que só há poder - e por extensão, poder militar - na medida
em que se conjugue a vontade de supremacia com os meios adequados à sua
realização, o que patentemente não se verifica neste País.
Em terceiro lugar, os contestantes (que pretendem representar uma classe,
uma ordem, um estamento) inclinam-se à partida diante das instituições e dos
protagonistas - reconhecidos refractários ao serviço militar obrigatório -
que consubstanciam o actual regime; mais não lhes resta senão aceitar as
migalhas que caiem da mesa dos benefícios e privilégios correntes, pois há
já muito que se privaram voluntariamente das alavancas de poder.
Em quarto lugar, bem sabem os generais que não podem radicalizar o seu
protesto, alargando o seu âmbito à natureza e ao funcionamento do actual
sistema de organização social; uma tal crítica alargada constituiria a mais
poderosa refutação da magna obra das suas vidas: a instituição da democracia
rotativista pós-25 de Abril.
Por isso, circunscrevem os seus agravos a um único causador, epítome
demagógica dos males da nossa época anti-heróica: o multifacético e
multifacécico Paulo Portas, solteirão «upper-crust» filho de distintas
famílias de Lisboa e arredores.
É preferível descarregar a nossa má-consciência num bode expiatório, em vez
de atacar as verdadeiras causas da decadência nacional.
Giraldo, o wahabita lusitano
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