A derrota
Não encontro texto mais inquietante que Os Persas, de Ésquilo. Não é apenas todo o mundo grego que nesse texto se concentra. No coro dos anciãos e das mulheres persas, que tremem diante do tempo que se alonga, esperando por novas da frente de batalha, está mais do que a Grécia: está a coincidência imediata entre a fragilidade e grandeza de gregos e de bárbaros. Por um lado, era irresistível o exército nascido da Ásia imensa, que ficara despovoada de homens e que passava agora sobre o estreito que a separava da Europa, como a onda de um mar que nenhum poder humano conseguiria conter. Mas, por outro lado, desponta titubeante a inquietação inevitável. E se um deus o quisesse perder? E se um daimon maligno e enganador despertasse nesses homens um excesso de ambição, uma hýbris, seduzindo-os para uma falta que não poderia ficar sem expiação? Não seria o mar já o sinal da sedução? Mas além da fragilidade e da grandeza, cuja coincidência caracteriza o início grego daquilo que somos, Ésquilo, um grego, escreve a sua tragédia na perspectiva dos persas derrotados. Porque razão? Será que se trata da antecipação imprevisível da tolerância moderna, tentando adoptar bondosamente, num “relativismo” saudável, o ponto de vista do adversário? Penso que não. Com isso, ele dá-nos um outro ensinamento, que talvez passe mais obscuramente na análise imediata. É que só a derrota permite uma lucidez e uma inteligência que o vencedor, na celebração festiva da vitória, não consegue jamais alcançar.
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