No advento do 11 de Setembro
Começamos já a distanciar-nos do 11 de Setembro. Desde esse dia fatídico de 2001, muitos outros assuntos se impuseram como novidades, como estímulos à nossa consciência cidadã sempre empenhada, sempre ansiosa, sempre inquieta pelas novidades. De vez em quando, aqui e acolá, lá reaparece uma reflexão sobre o assunto, sobretudo a propósito da invasão do Iraque, procurando situar, como se fosse necessário, os acontecimentos na origem que os justificam. Mas mais nada. E isso quer dizer que se as emoções televisivas se retiraram dos acontecimentos de 11 de Setembro, cansando-se da cíclica repetição de um burburinho essencialmente patológico, é possível finalmente começar a tentar pensa-los.
A verdade é que o 11 de Setembro, apesar das opiniões apaixonadas, não é nada de novo. De novo, há apenas o ter sido um massacre cometido como uma espécie de espectáculo televisivo, e não executado timidamente, numa vergonha coberta pela invisibilidade e pelo silêncio; ou o ter tido lugar no coração da potência planetariamente hegemónica, onde qualquer um de nós (ou algum dos nossos amigos) poderia estar por trabalho ou por lazer, e não num qualquer canto obscuro da África ou da Ásia. Mas tudo isso é, apesar do choque, acidental. O que o 11 de Setembro, no essencial, representa é a intensificação de um tipo de guerra caracterizada pela incapacidade de estabelecer diferenciações. Para os terroristas do 11 de Setembro que lançaram aviões civis contra as Twin Towers, tudo é indiferenciadamente possível como arma de guerra; e todos são, independentemente das suas diferenças, indiferenciadamente inimigos. Numa palavra: o que o 11 de Setembro, no essencial, representa é a intensificação da ideia de "guerra total", onde todos (beligerantes ou não beligerantes, soldados ou civis, homens, mulheres ou crianças) são combatentes, onde tudo (desde a água às metralhadoras, passando pelos medicamentos ou comida) é um recurso de guerra.
Para compreender a "guerra total" é necessário compreender uma verdade simples: esta só é possível se aquele que a move estiver convencido de que tem razão. Noutros termos: só desencadeia uma "guerra total" quem está convencido de que está a combater uma guerra justa. Esta é a condição de possibilidade daquela. No fundo, o terrorismo só é possível na medida em que os terroristas acham que têm, por justiça, direito ao terror. Só assim eles se podem permitir fazer simplesmente tudo: eles só podem atacar e matar indiferenciadamente apenas na medida em que assumem a consciência de que a sua derrota seria a suprema injustiça e de que têm o direito (de que é justo) tudo mobilizarem, independentemente das convenções e da medida dos sacrifícios, para o impedir.
Nesta perspectiva, eles têm, tanto quanto conheço, dois extraordinários antecedentes. O primeiro foi o General William Tecumseh Sherman, que, durante a Guerra Civil Americana, mandou incendiar Atlanta: a sua guerra era "total" porque, na sua perspectiva, era "justa"; ela não conhecia limites porque os confederados, na sua rebeldia contra a União, no seu esclavagismo, estavam fora do direito e eram, nessa medida, criminosos. O segundo foi o de Arthur Harris, que, às ordens de Churchill, desde 1942, se dedicou ao bombardeamento sistemático das cidades alemãs, sobretudo das suas áreas residenciais, culminando na destruição de Dresden, onde milhares de refugiados, sobretudo mulheres e crianças, tinham encontrado abrigo: também a guerra de Churchill e de Harris podia ser "total" porque se justificava como "justa", porque era conduzida contra um mal e em nome da humanidade.
Mas tendo em conta estes antecessores ocidentais do actual terrorismo islâmico surge necessariamente a questão: se a ideia de uma guerra justa é a condição de possibilidade da guerra total (e do terrorismo), não será necessário recusar aquela para poder trabalhar na superação desta? Não será necessário abandonar uma retórica belicista assente na criminalização do inimigo para poder, pelo menos, esperar acabar com o crime? Não será a retórica criminalizante em que hoje entram as nossas democracias liberais um estímulo à sua própria criminalização, e ao terror que se lhe encontra associado?
A verdade é que o 11 de Setembro, apesar das opiniões apaixonadas, não é nada de novo. De novo, há apenas o ter sido um massacre cometido como uma espécie de espectáculo televisivo, e não executado timidamente, numa vergonha coberta pela invisibilidade e pelo silêncio; ou o ter tido lugar no coração da potência planetariamente hegemónica, onde qualquer um de nós (ou algum dos nossos amigos) poderia estar por trabalho ou por lazer, e não num qualquer canto obscuro da África ou da Ásia. Mas tudo isso é, apesar do choque, acidental. O que o 11 de Setembro, no essencial, representa é a intensificação de um tipo de guerra caracterizada pela incapacidade de estabelecer diferenciações. Para os terroristas do 11 de Setembro que lançaram aviões civis contra as Twin Towers, tudo é indiferenciadamente possível como arma de guerra; e todos são, independentemente das suas diferenças, indiferenciadamente inimigos. Numa palavra: o que o 11 de Setembro, no essencial, representa é a intensificação da ideia de "guerra total", onde todos (beligerantes ou não beligerantes, soldados ou civis, homens, mulheres ou crianças) são combatentes, onde tudo (desde a água às metralhadoras, passando pelos medicamentos ou comida) é um recurso de guerra.
Para compreender a "guerra total" é necessário compreender uma verdade simples: esta só é possível se aquele que a move estiver convencido de que tem razão. Noutros termos: só desencadeia uma "guerra total" quem está convencido de que está a combater uma guerra justa. Esta é a condição de possibilidade daquela. No fundo, o terrorismo só é possível na medida em que os terroristas acham que têm, por justiça, direito ao terror. Só assim eles se podem permitir fazer simplesmente tudo: eles só podem atacar e matar indiferenciadamente apenas na medida em que assumem a consciência de que a sua derrota seria a suprema injustiça e de que têm o direito (de que é justo) tudo mobilizarem, independentemente das convenções e da medida dos sacrifícios, para o impedir.
Nesta perspectiva, eles têm, tanto quanto conheço, dois extraordinários antecedentes. O primeiro foi o General William Tecumseh Sherman, que, durante a Guerra Civil Americana, mandou incendiar Atlanta: a sua guerra era "total" porque, na sua perspectiva, era "justa"; ela não conhecia limites porque os confederados, na sua rebeldia contra a União, no seu esclavagismo, estavam fora do direito e eram, nessa medida, criminosos. O segundo foi o de Arthur Harris, que, às ordens de Churchill, desde 1942, se dedicou ao bombardeamento sistemático das cidades alemãs, sobretudo das suas áreas residenciais, culminando na destruição de Dresden, onde milhares de refugiados, sobretudo mulheres e crianças, tinham encontrado abrigo: também a guerra de Churchill e de Harris podia ser "total" porque se justificava como "justa", porque era conduzida contra um mal e em nome da humanidade.
Mas tendo em conta estes antecessores ocidentais do actual terrorismo islâmico surge necessariamente a questão: se a ideia de uma guerra justa é a condição de possibilidade da guerra total (e do terrorismo), não será necessário recusar aquela para poder trabalhar na superação desta? Não será necessário abandonar uma retórica belicista assente na criminalização do inimigo para poder, pelo menos, esperar acabar com o crime? Não será a retórica criminalizante em que hoje entram as nossas democracias liberais um estímulo à sua própria criminalização, e ao terror que se lhe encontra associado?
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