O poder moderador
O poder moderador é uma espécie de mito constitucional: o mito de um "guardião da constituição", cujo papel, em Portugal, é vagamente evocado como o atributo de uma instância pacificadora, reguladora, conciliadora e consensual. Contudo, se o poder moderador é, na sua essência, um poder político, ele exerce-se a partir do seu possível conflito com um outro poder. A sua efectiva determinação política depende, portanto, da determinação do poder frente ao qual o poder moderador se poderá afirmar. E a tentativa de identificar um tal poder implica, consequentemente, voltar a pensar o sentido da articulação dos três poderes cuja separação constitui a essência do liberalismo. Tais poderes podem ser ordenados em função da sua remissão àquilo a que se poderia chamar dimensões da temporalidade: assim, o poder judicial remete para o passado, na sua administração da justiça; o poder executivo toma medidas e governa em função das circunstâncias presentes; o poder legislativo projecta e delibera tendo como horizonte o futuro. Diante desta caracterização dos três poderes clássicos do liberalismo em função da sua temporalidade intrínseca, como se poderá então identificar o possível adversário de um "poder moderador"? Um tal adversário talvez apareça claramente a partir de uma verificação simples: a verificação de que o grande problema institucional das nossas democracias liberais consiste em estas serem sociedades amputadas de futuro. Com efeito, a experiência fundamental que nos marca, pelo menos desde 1989, poderia ser assinalada como a experiência de uma falta: a ausência de um efectivo advento, o apagamento do vindouro sob um à venir sempre "por vir" e ausente. Assim, a instância deliberativa que exerce o poder legislativo, o parlamento, a qual é em si mesma projectada no futuro, transforma-se numa mera simulação do que era. Ele torna-se num orgão de assessoria de medidas executivas, em que já não são homens livres que discutem o futuro, persuadindo-se ou deixando-se persuadir nos seus projectos, mas comissários de organizações partidárias que auto-afirmam posições, medem forças, contam votos e negoceiam interesses. É então a partir da corrupção do poder legislador do parlamento, preenchido por comissários partidários, que o poder moderador encontra o pólo em confronto com o qual se poderá exercer. Um poder moderador emanado de candidaturas partidárias é, portanto, uma pura e simples impossibilidade teórica.
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