Caminhos Errantes

quinta-feira, março 03, 2005

Ouvi ontem

Ouvi com surpresa, no rádio do carro, que os Estados Unidos aboliram, por decisão do Supremo Tribunal tomada por maioria (5 contra 4 votos), a pena de morte para condenados que à data do cometimento dos crimes eram menores. Para os abolicionistas, talvez ingenuamente, foi um primeiro passo no sentido da abolição. Para as pessoas sensatas, trata-se de um assunto que respeita apenas à determinação daquilo a que se poderia chamar o grau de imputabilidade de um menor no cometimento de um crime. Neste plano, a questão é, para mim, controversa: embora seja contra a pena de morte, não me parece que um menor de 16 ou 17 anos seja particularmente inimputável, sobretudo no que diz respeito a crimes de sangue, perversos e sádicos. Mas o que me causou espanto foi a informação de que os Estados Unidos foram o último país do mundo a abolir uma tal pena, depois de Estados como a Arábia Saudita. Dou certa razão a Robert Kagan, na sua conhecida afirmação de que os americanos são de Marte e os europeus de Venus. Mas acho que a separação não é inteiramente correcta. Tendo em conta informações como esta, quase se diria que a América é titânica e a Europa olímpica. E, diante da progressiva titanização dos tempos, que se fenomenaliza numa barbarização do mundo, talvez seja necessário o esforço de um novo confronto entre deuses e titãs.

terça-feira, março 01, 2005

Lido apressadamente

De manhã, entre o café e um bolo, passei pelo Público de ontem: o de hoje estava ocupado e nada há que justifique nem a compra do jornal, nem dedicar atenção à mais extrema actualidade. Apenas uma leitura rápida do editorial de Manuel Carvalho, director-adjunto do dito, numas notas à recente edição do livro de João Paulo II, Memória e Identidade. Citando Ralph Dahrendorf como autoridade contra o Papa, o editorial escandalizava-se com a "intolerância" de "Karol Wojtyla", situada nos antípodas de João XXIII, ao referir-se a um mundo pré-cartesiano como o exemplo de uma fé viva e ao mostrar reservas sobre as nossas sociedades liberais, democráticas, técnicas, perguntando mesmo se estas não apresentam características análogas às sociedades totalitárias. A pergunta é obviamente pertinente - vivemos em sociedades em que todos são livres de ter opiniões, mas em que estas são forjadas por técnicas de manipulação e propaganda que apenas têm comparação nas técnicas de engenharia que se exercem como uma radical determinação da vida, cunhando na política um destino biopolítico. E, perante esta pertinência, divido-me ao tentar apreciar o "espírito" do editorial do Público: simples ignorância ingénua, apenas culpada da falta de crítica habitual; ou o bruto cultivo dos lugares comuns que se alimentam da pressa e da destruição do pensamento? Infelizmente, passo cada vez mais da primeira hipótese para a segunda.