di qualcosa...
Fico contente, tudo somado, com a vitória de Cavaco Silva. Contudo, neste tipo de eleições, mais importante do que ganhar é considerar como se ganha. Durante a campanha, Cavaco Silva lembrava-me sempre, em todas as suas intervenções, o Aprile do Moretti, na cena em que este pedia encarecidamente a D'Alema, diante da televisão: Di qualcosa di sinistra!; terminando resignada e modestamente com: Ma di qualcosa... Por mais que tenha sido eleitoralmente avisada a tentação de gerir a vantagem concedida pelo desastre governativo, parece-me sempre indigno (embora não seja de todo original) eleger alguém só pelo facto de não dizer nada. Seria muito importante que Cavaco Silva se preparasse para um exercício do cargo presidencial num sentido exactamente contrário ao de Mário Soares: em vez de aprofundar a parlamentarizarização do regime, entretendo-se com conversas de circunstância, com a ostentação de uma cultura que não se tem ou com viagens, seria importante que Cavaco Silva desempenhasse o seu cargo como uma instância de exigência em relação ao governo, promovendo, contra as consequências patentes da nossa partidocracia cacocrática, uma cultura de mérito e de trabalho. Infelizmente, apesar das óbvias diferenças de personalidade e de capacidade de trabalho, a campanha de Cavaco Silva não prometeu nada de bom. Quem escutou os seus silêncios, os seus "não devo comentar" e os seus "nins", não pode deixar de temer que ele se prepare para ser em relação a Sócrates o que Mário Soares foi em relação a ele.
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