Caminhos Errantes

domingo, janeiro 22, 2006

Pequena reflexão pré-eleitoral 2

Há três dimensões essenciais sobre as quais assenta o modo como decorrem hoje as eleições, transformando-as de decisão política em mera estatística controlada. A primeira dimensão é a da pré-selecção rigorosa de candidatos. Esta tarefa está entregue hoje exclusivamente aos partidos políticos e tornou-se patente, nestas eleições, no afastamento de candidatos destituídos de simpatias e vínculos partidários, num sistema que se caracteriza, no essencial, pela eliminação do mérito, da inteligência e do trabalho como critérios relevantes para a selecção de candidatos. A segunda dimensão é a ausência de condições de deliberação. As campanhas eleitorais são momentos festivos que visam uma única coisa: a ausência de reflexão, de pensamento e de uma efectiva confrontação. Para que a campanha seja eficaz, esta deve não apenas suscitar reacções emotivas e aclamatórias, mas concentrar a atenção naquilo que é o mais acidental e supérfluo: o sorriso, o ar cansado, a migalha de bolo rei caída da boca, a gravata ou ausência dela. Finalmente, a terceira dimensão consiste na necessidade de um condicionamento das escolhas - que em si mesmo se apresentam como secretas - em função de uma projectada imagem da população em bloco, como uma potência maciça ou, segundo a sua representação revolucionária, como uma gigantesca onda do mar. A necessidade de apresentar visivelmente os homens como massas está presente sobretudo naqueles desfiles pelas ruas que animam as campanhas, concebidos à imagem daquelas ondas gigantes que, depois do sismo marítimo, irrompem pela terra dentro, perturbando e arrastando tudo. Esta terceira dimensão está hoje entregue às sondagens, que procuram manter o controlo da eleição como a medição da temperatura permite manter o controlo de um corpo doente e febril. Em Portugal, dir-se-ia que as eleições, devido às três dimensões referidas, alcançaram já um nível autofágico: é sintomático terem sido justamente as sondagens o assunto mais debatido e recorrente ao longo da campanha eleitoral.