Caminhos Errantes

domingo, janeiro 22, 2006

Pequena reflexão pré-eleitoral 3

Num contexto marcado, no essencial, quer pela dominação partidocrática, quer pela perturbação crescentemente festiva das condições de deliberação, quer pelo condicionamento da eleição às mãos de sondagens e controlos da opinião, uma democracia efectiva (a qual, sendo saudável, tem sempre também de ser uma aristocracia e uma monarquia) carece essencialmente daquilo a que se poderia chamar uma pedagogia eleitoral. Esta deveria ser ensinada nas escolas e pelos pais. E o seu primeiro ensinamento deveria ser o seguinte: ao contrário do que se diz retoricamente, e do que alguns ingénuos gostariam mesmo de pensar, ao contrário do que dizem aqueles que apelam histérica e dramaticamente ao facto de todos os votos contarem, um voto, felizmente, não vale nada. Umas eleições muito disputadas e renhidas nunca se ganham ou perdem por um voto, mas por umas largas dezenas ou centenas de votos. A probabilidade de um voto decidir uma eleição é menor que a de o Ministro Mariano Gago ganhar o euromilhões. Assim, as pessoas deviam votar criativa e livremente, com as condições de deliberação possíveis, reconfortadas pela irrelevância do seu voto, e não pensando amarguradamente que estão a ajudar este a ganhar ou aquele a perder. As democracias liberais ocidentais assentaram, até agora, no pré-conceito político fundamental do século XIX, ou seja, tendo em conta a era emergente dos "nacionalismos", na apresentação da democracia como critério exclusivo de legitimidade política. Um tal critério concretiza-se hoje na existência de eleições e, portanto, no facto de que se vote. Contudo, naquilo a que alguns chamam "democracias maduras", o essencial é sobretudo não que se vote, mas como se vota. Uma decisão que não seja deliberada não é propriamente uma decisão, mas o acto reflexo e mecânico daquilo a que Aristóteles chamaria uma alma escrava ou doente. No essencial, importaria hoje, entre nós, que os métodos e as técnicas eleitorais não se ocupassem justamente a espalhar a escravidão e a doença.

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