A "vida dos santos"
A Clara Macedo Cabral, por vezes, deixa-me desconcertado. Ela escreveu sobre Kertész e a sua dolorosa conclusão, diante da experiência da banalidade do mal (para usar a expressão de Hannah Arendt): o que é incompreensível e dificilmente explicável, no mundo, é o bem e não o mal. A vida pertence ao sofrimento. E este pertence à naturalidade daquela. Separar a vida e o sofrimento será talvez amputá-la da sua própria essência. Os “ditadores”, a guerra, a morte (que é o supremo mal e a suprema injustiça) cunham na vida a sua própria figura. Viver é sempre, de algum modo, sentir dor: a vida é o contrário da anestesia. Querer anestesiar a vida, querer arrancar-lhe a dor, não pode deixar apenas de intensifica-la: do mesmo modo que a mais extrema forma de guerra é a guerra total do pacifismo (do pacifismo defensivo ou do ofensivo) em nome de uma última batalha, em nome de uma guerra derradeira contra a guerra. E, assim, na vida, é o irromper gratuito do bem, a graça, a “vida dos santos”, que está para explicar, que é absurda, que vai contra a própria lei do mundo. Como explica-la? Talvez só o aparecimento de Deus entre os homens, a irrupção do divino no mundo, seja o seu fundamento. Nada mais. A “vida dos santos” é o indício decisivo deste aparecimento. A “vida dos santos” é, neste sentido, um testemunho, um martírio.
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