Caminhos Errantes

quinta-feira, fevereiro 19, 2004

E depois do adeus

Há dois dias, em conversa com um amigo, chegámos à conclusão de que se poderia dizer, sem quaisquer pretensões cabalísticas, que, em Portugal, desde que há Constituição, os ciclos políticos se estendem por períodos de aproximadamente trinta anos. Foi primeiro o período que medeia entre a revolução de 1820 e a Regeneração, com a instabilidade da guerra civil e dos sucessivos levantamentos. Foi depois um ciclo de sessenta anos até ao fim da Monarquia, cortado mais ou menos a meio pelo projecto imperial africano que culminou, em 1890, com o Ultimato Inglês. Foi depois, em um pouco menos de trinta anos, a Primeira República, a “oligarquia das bestas”, como lhe chamou Fernando Pessoa, com as suas sucessivas ondas de levantamentos, assassínios, ditaduras e revoluções. Foi seguidamente o Estado Novo, a partir de 1933, que entra definitivamente em crise com a Guerra de África, nos anos sessenta do século XX; e que sucumbe finalmente, esgotado, em 1974, há exactamente trinta anos atrás.
Parece-me evidente que vivemos também hoje, em Portugal, numa atmosfera de “fim de ciclo”. Os Ministérios, as Secretarias de Estado, o Parlamento, os Municípios são hoje ocupados por um tipo humano que começa a ser dominante, para quem o sucesso é inversamente proporcional à inteligência, ao conhecimento, ao trabalho e ao mérito. Portugal é hoje um Estado quase puramente cacocrático (como kakos, em grego, quer dizer mau, a cacocracia, contrária de aristocracia, pode ser designada como o “poder dos piores”). No fundo, a nossa vida política reduz-se ao automatismo de um sistema em que um conjunto de grupos ou amigos, todos conhecidos entre si e repartidos tribalmente por uma variedade artificial de partidos, tenta aguentar o seu estilo de vida, perpetuando privilégios, rendimentos e influências. Em particular, são hoje sobretudo as juventudes partidárias que se ocupam a repartir bons ordenados e dinheiro fácil por jovens que, de um modo geral, não sabem o que é o estudo e o trabalho. Como os tempos da Revolução se vão afastando, é natural que cada vez mais a vida política se organize em torno da dependência destes jovens, chegados agora aos trinta e aos quarenta, em relação ao modo de viver a que entretanto se habituaram. Mas se é assim, também cada vez mais se torna necessário perguntar (como há trinta anos alguém perguntou) pelo estado a que chegámos. Há trinta anos, a senha para o desencadeamento das operações golpistas foi dada por uma música chamada “E depois do adeus”. Hoje, é irónico pensar que talvez seja apenas a incapacidade para pensar para além e para depois do adeus que mantém ainda em vida o nosso actual modo de vida político.

sexta-feira, fevereiro 13, 2004

Rafeiros

Como certamente se compreende, depois da promessa - feita há dois dias - de publicar aqui uma fotografia do meu rafeirito, logo que para tal tivesse o conhecimento imprescindível, não tenho parado de receber centenas de milhar de mensagens febris de curiosidade, pedindo-me insistentemente que em breve desse a conhecer ao mundo a sua imagem. Infelizmente, não tenho mesmo tempo para tal aprendizagem. Além do doutoramento, e da necessidade de ultimar uma tradução já atrasadíssima de Fichte, tenho agora de me preparar para uma conferência sobre o pensamento de Heribert Boeder (talvez aquele que será, na minha modesta opinião, o grande nome da filosofia alemã depois de Heidegger), que decorrerá em Praga com a presença do próprio. Por isso, nos próximos tempos, estou mesmo fechado para obras. Mas, para os que continuarem a insistir, deixo aqui a indicação da fotografia do Viking que o Pedro Guedes publicou no Último Reduto, um dos melhores blogs que conheço e dos poucos que ainda leio com alguma regularidade: o Caco e o Viking são extraordinariamente parecidos (não é Sandra?).

quinta-feira, fevereiro 12, 2004

Kant

Faz hoje exactamente duzentos anos que morria, em Königsberg, Immanuel Kant. De partida para uma passagem breve por Lisboa, não tenho hoje tempo para escrever o que quer que seja sobre ele. No ano lectivo passado, dediquei o segundo semestre inteiro de Filosofia Moderna em Coimbra a uma análise exaustiva da Crítica da Razão Pura, partindo da Dialéctica Transcendental para a tentativa de encontrar aí a primeira abordagem da própria modernidade como problema filosófico. Foi um curso pesado e duro. Mas, penso, também frutífero. Hoje, a posteriori, penso que este curso poderia servir como homenagem àquele que talvez seja, de entre todos, o mais genial e entusiasmante pensador com que me confrontei.

quarta-feira, fevereiro 11, 2004

Para a Sandra

Há dias, por intermédio de uma amiga comum (a Sandra), o Nuno Catarino, autor de "A Forma do Jazz", enviou-me notas sobre o processo de introduzir imagens, links e comentários nos Caminhos Errantes. Agradeço-lhe muito por isso e prometo que, quando tiver mais tempo (se calhar só lá para o ano 3567), tentarei fazer aqui uma reforma, introduzindo tudo isso, fazendo as alterações estéticas que se impõem e escrevendo com mais regularidade. E, para a minha querida Sandra, prometo que a primeira fotografia a ser aqui publicada será a do Caco. Para matar saudades. O Caco, para os que o não sabem, é o meu cão: um puro rafeiro, esperto, matreiro, bonito e bem disposto, que apareceu há três anos, faminto, à porta da casa que então arrendava um pouco a norte de Coimbra. Diante dele, fico sempre com a estranha sensação de estar eternamente grato ao canalha anónimo que o abandonou.